Decisões impedem que filhos maiores vivam indefinidamente de pensão
O que antes era um dever, passa a ser exercício de
solidariedade. A obrigação alimentar devida aos filhos “transmuda-se do
dever de sustento inerente ao poder familiar, com previsão legal no
artigo 1.566,
inciso IV, do Código Civil (CC), para o dever de solidariedade
resultante da relação de parentesco, que tem como causa jurídica o
vínculo ascendente-descendente e previsão expressa no
artigo 1.696 do CC”, ensina o ministro Marco Aurélio Bellizze.
De
acordo com jurisprudência pacificada no Superior Tribunal de Justiça
(STJ), o advento da maioridade não extingue automaticamente o direito ao
recebimento de pensão alimentícia. Sobre esse tema, a
Súmula 358
do STJ dispõe que “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que
atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante
contraditório, ainda que nos próprios autos”.
Isso porque,
conforme explica o ministro João Otávio de Noronha, cessando a obrigação
alimentar compulsória, permanece o dever se assistência fundado no
parentesco consanguíneo.
Contudo, nessa hipótese, é do
alimentado, ou seja, do filho maior, o ônus de comprovar que permanece
com a necessidade de receber alimentos ou, ainda, que frequenta curso
universitário ou técnico, “por força do entendimento de que a obrigação
parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação
profissional”, conforme aponta Bellizze.
MestradoEmbora
os pais tenham o dever de prestar alimentos aos filhos em razão de
estudos, esse dever não se estende após a graduação. Isso porque a
formação profissional se completa com a graduação, que, em regra,
permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou,
independentemente de posterior especialização.
Esse entendimento
foi adotado pela Terceira Turma do STJ, em julgamento de recurso
especial. No caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença
para condenar um pai a pagar à filha pensão alimentícia correspondente a
20% dos seus vencimentos líquidos até que ela concluísse curso de
mestrado em universidade pública.
Inconformado, ele recorreu ao
STJ com o argumento de que a obrigação de sustentar os filhos se encerra
com a maioridade, estendendo-se, excepcionalmente, até a conclusão de
curso superior, para não servir de incentivo “à acomodação e à rejeição
ao trabalho”.
No entendimento da ministra Nancy Andrighi,
relatora, devido às condições socioeconômicas hoje existentes, pelo
menos um dos aspectos inerentes à criação dos filhos não se extingue com
a maioridade da prole. “A crescente premência por mão de obra
qualificada impõe a continuidade dos estudos, mesmo após os 18 anos de
idade, em cursos de graduação ou tecnológicos”, apontou.
Presunção relativaAndrighi
explicou que, embora a concessão dos alimentos devidos em razão do
vínculo de parentesco exija prova da necessidade do alimentado, na
hipótese em que ele frequenta curso universitário ou técnico, após a
maioridade, essa necessidade passa a ser presumida – uma presunção
relativa (iuris tantum), que pode ser afastada por provas em contrário.
O
professor Rolf Madaleno ensina que a obrigação alimentar subsiste
depois de alcançada a capacidade civil, quando o crédito de alimentos é
destinado a manter filho estudante, especialmente porque continua
dependente de seus pais por cursar a universidade, mesmo que frequente
algum estágio, “pois sabido que os valores pagos aos estagiários são em
caráter simbólico e raramente atingem quantias capazes de dispensar o
prolongamento da indispensável prestação alimentar” (
Curso de Direito de Família, 2011).
Como
o caso julgado não se enquadrava na regra do curso de graduação ou
técnico, a ministra afirmou que deveria ser analisada, de forma
cautelosa, a efetiva necessidade do alimentado – para evitar o seu
enriquecimento sem causa ou a indevida sobrecarga do alimentante.
Para
ela, “a aplicação da expressão ‘efetiva necessidade’ conspira contra
aqueles que, mesmo sendo aptos ao trabalho, insistem em manter vínculo
de subordinação financeira em relação ao alimentante”.
Em decisão
unânime, os ministros consideraram que, embora a especialização agregue
significativa capacidade técnica e aumente a probabilidade de atingir
melhor colocação profissional, essa correlação tende ao infinito:
especializações, mestrado, doutorado, pós-doutorado, entre outros, que
podem levar à “perenização do pensionamento”.
SolidariedadeDe
acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, os alimentos decorrem da
solidariedade que deve haver entre os membros da família ou parentes,
visando garantir a subsistência do alimentando, observadas sua
necessidade e a possibilidade do alimentante.
Em sua obra sobre a
evolução histórica da família, Arnoldo Wald afirma que a finalidade de
prover alimentos é assegurar o direito à vida. Para ele, trata-se de um
direito voltado à subsistência do ser humano, que incluiu três
elementos: o vínculo de parentesco, casamento ou união estável; a
possibilidade econômica do alimentante; e a necessidade do alimentado (
O Novo Direito de Família, 2005).
Esse
foi o tema do julgamento de recurso especial pela Quarta Turma. No caso
analisado, o Tribunal de Justiça de Alagoas reformou sentença para
fixar em dez salários mínimos pensão devida a filha maior, de 25 anos,
formada em direito, que cursava pós-graduação. No STJ, a pensão foi
afastada.
“Por ocasião da conclusão do curso superior, deveria a
alimentanda – contando com mais de 25 anos de idade, ‘nada havendo nos
autos que deponha contra a sua saúde física e mental, com formação
superior’ – ter buscado o seu imediato ingresso no mercado de trabalho,
não mais subsistindo para o seu genitor obrigação (jurídica) de lhe
prover alimentos”, opinou o relator, ministro Salomão.
Prisão civilEm
agosto deste ano, a Terceira Turma concedeu habeas corpus, de ofício, a
pai que teve prisão civil decretada pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo após deixar de pagar pensão alimentícia a filho com mais de 30
anos de idade, formado, em plena atividade profissional, que cursava
outra faculdade.
“A prisão civil perde sua finalidade quando for
constatado que os alimentos estão sendo prestados a filho maior com o
único objetivo de custear curso superior, mas a verba é desviada para
outros fins que não os estudos ou a sobrevivência”, afirmou o relator,
ministro João Otávio de Noronha.
Há informações no processo de
que o débito era oriundo do acordo celebrado entre pai e filho, quando
este tinha 19 anos, tendo sido estabelecido como termo final do
pensionamento a conclusão de curso superior ou o atingimento dos 24 anos
de idade, o que viesse primeiro.
Contudo, pelo que consta nos
autos, o filho não completou o curso superior antes de fazer 24 anos,
mudou de faculdade e empreendeu prolongadas viagens pelo exterior,
deixando, inclusive, de informar ao juízo sobre sua situação acadêmica.
“Verifica-se
que a verba alimentar não é atual, além de ter sido desvirtuada,
porquanto não tinha a finalidade de custear a sobrevivência do
alimentado, mas tão somente seus estudos, quando já havia completado a
maioridade”, considerou Noronha.
Em decisão unânime, a turma afastou a prisão decretada.
FONTE: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Decis%C3%B5es-impedem-que-filhos-maiores-vivam-indefinidamente-de-pens%C3%A3o